Três dias se passaram desde a passagem dos dois homens pelo Salão de Chá.
Eram por volta das quinze horas quando fizeram soar a campainha do 3º direito, onde morava a antiga senhoria de Alberto. O prédio encontrava-se do lado oposto ao Salão de Chá, reparavam-no agora, que já conheciam o outro lado da rua. Então é aqui que morou Alberto?, perguntou em jeito retórico o senhor mais alto, enquanto se aproximava da porta e examinava com o olhar a fachada. Até então, este era um edifício em tudo igual a todos os outros, e poderia ser o edifício onde teria morado qualquer pessoa. Era assim que lhe pareciam os prédios e casas de quem ignorava quem os habitava. Agora, era o edifício onde morou Alberto.
Sim?, quem é?, ouviram pelo intercomunicador. Boa tarde. Ando à procura de casa para alugar e vi no jornal que dispunha de um apartamento, gostaria de poder vê-lo, se possível, obrigado. Sim, tenho um apartamento livre de momento, suba que lho mostrarei, respondeu a senhora. Pela voz deveria andar pelos 50 anos, talvez mesmo mais, e morava sozinha desde algum tempo, poderia afirmá-lo. Um ruído arranhado e metálico era o sinal de que poderiam entrar e subir. O hall de entrada era estreito e pouco luminoso, e o elevador central em ferro confirmava a idade avançada do edifício. Um receio inocente e anormal fê-los evitar o ascensor, tendo subido pelas escadas em caracol até ao terceiro piso. As tábuas da escada e, em seguida do corredor, a estrugir à medida que os seus pesos exerciam força sobre elas anunciavam à senhoria a aproximação dos dois possíveis inquilinos, pensava ela. A senhora encaminhou-os ao terceiro esquerdo, do outro lado do corredor, à medida que lhes ia explicando que, inesperadamente, o antigo inquilino do apartamento terá sumido, foi mesmo este o termo utilizado, e como já não aparecia nem dava notícias há alguns meses, ela terá resolvido voltar a tentar alugar o apartamento. Como podem ver, o apartamento está em perfeito estado, não cheguei sequer a mexer-lhe desde o desaparecimento do anterior arrendatário, o senhor Alberto, disse a senhora assim que abriu a porta. Assim nos parece, respondeu o senhor mais baixo.
O tapete da entrada tinha forma de meia-lua com bem-vindo escrito, e encontrava-se meticulosamente enquadrado, com a base paralela à entrada da porta e com o ponto central, que se achava traçando um raio perpendicular à base, do centro ao limite da circunferência, tangente à linha que separava duas das tábuas do assoalhado. Estão à vontade, ouviu-se a senhora dizer. A avaliar pelas informações da senhora, que não teria mexido em nada, o apartamento tinha um aspecto invulgarmente anónimo. Tudo o que preenchia aquele espaço, como móveis, jarros, quadros, estava disposto em figuras geométricas, parecendo haver um gosto especial pelos ângulos rectos, pois traçadas várias linhas imaginárias a unir os vários artifícios, estas formavam sempre este tipo de ângulos. Aparentemente, nenhuma peça estaria desalinhada. Tirando esta arrumação inusitada, nada enunciava aqui a presença de alguém. Era como um quarto de hotel, de ninguém e para todos, em que assim que se deixa vêm apagar a nossa presença de lá. Nenhum objecto, ou nenhum objecto pessoal, manifestava a presença de Alberto. Uma gaveta mal fechada do armário, que produzia ali o mesmo efeito que uma nota mal tocada numa composição musical, despertou o interesse do senhor mais alto. Este aproximou-se e abriu-a, onde encontrou um pequeno caderno género moleskine que prontamente guardou dentro do bolso da gabardina, sem que tanto o seu colega como a senhoria notassem. Agora não era a altura apropriada para examinar o caderno, pensou.
Na parede da porta, via agora enquanto se encaminhavam para a saída, descansava um quadro com a representação de um girassol. Tem aqui um quadro muito interessante, disse o senhor mais alto à senhoria. Sabia que num girassol, o número de espirais opostas, que formam as inflorescências na flor, são sucessores na sequência de Fibonacci? Não, mas sabia que tinham uma disposição singular, que eu aprecio, respondeu-lhe a senhora. Se calhar foi por isso que Van Gogh decidiu desenhar um quadro de girassóis, já pensou? Isso nunca o saberemos, sorriu-lhe de volta a senhora. Pois bem, entraremos em contacto consigo mais tarde, caso decidamos por nos acomodar aqui, mentiu-lhe o senhor mais baixo, pois não pretendiam.