Durante a viagem de carro ouvia-se apenas o barulho enferrujado e cíclico das escovas a limparem as gotas de chuva que fugiam apressadamente para as extremidades do pára-brisas. À chegada ao café Rota do Oriente, a chuva caía ainda de forma intensa. No tempo que perderiam a abrir o guarda chuva, molhar-se-iam mais do que se optassem por atravessar o passeio, a correr até à porta. O ambiente morno e de pouca luz, parecia bucólico e indolente, característico de uma casa de chás decorada a tapeçarias da Índia, em que se viam e cheiravam todos aqueles vapores aromatizados a especiarias orientais. Os dois entraram no salão, perscrutando o espaço com o olhar como se procurassem alguém. A empregada que veio à porta para os receber perguntou se desejavam tomar alguma coisa, indicando-lhes que poderiam ocupar a mesa do canto, ao fundo, próxima da janela. O senhor mais alto tirou o chapéu e sacudiu-o, antes de o pousar no bengaleiro. A água, retida pela fina malha de tecido na superfície do chapéu de coco, desprendia-se agora no ponto em que o movimento do chapéu era invertido. Apesar do salão ser frequentado por muita gente, a presença dos dois desconhecidos adquirira um contorno quase sinistro, a julgar pelos olhares dos clientes que já se encontravam na casa. A empregada aproximou-se da mesa que eles tinham ocupado e, antes que começasse a formular a questão, foi interrompida por um ainda não decidimos, obrigado, ao que respondeu como desejarem, afastando-se. Ao ler o menu, poderia afirmar que tinha sido escrito com o tipo de letra Georgia, e pensava agora se aquele tipo de letra se adequava realmente a uma casa de chás. Este menu ficaria mais atractivo se tivesse sido escrito em Iskoola Pota, não achas? Mais atractivo não digo, mas por certo estaria mais em sintonia com o ambiente, respondeu o senhor mais alto. Este optou por beber um comum chá de maçã, sendo que o seu colega se decidiu por um da categoria Oolong, de sabor a flor de baunilha, por achar esse um nome interessante para uma categoria de chás. Até então desconhecia que existiam categorias de chás, nunca tendo realmente pensado muito sobre isso. Os chás vinham servidos numa bandeja bastante trabalhada, assim como os copos, onde se poderia distinguir uma fina linha dourada no bordo. Assim que verteu um pouco do seu chá Oolong para um dos copos, um aroma bastante suave e doce inundou-lhe o olfacto, ao que ele respondeu inadvertidamente com uma inspiração mais prolongada e profunda, de olhos fechados. O vapor que saía dos copos continuava a subir e misturara-se um com o outro numa forma condensada no vidro da janela. Maçã e flor de baunilha Oolong, esta será seguramente a janela mais perfumada que já vi, pensou. Enquanto se detinha nestes pensamentos, algo que lhe pareceu familiar do outro lado da janela trouxe-o de volta à casa de chá e ao propósito da sua visita. Aquelas cortinas não te parecem familiares, perguntou ao seu colega que bebia o chá de maçã com cara de desengano. Não, por acaso não as estou a reconhecer de lado nenhum, respondeu depois de virar a cara em direcção ao exterior. Peço desculpa, disse dirigindo-se à empregada, mas corrija-me se estiver enganado, aquela janela do terceiro andar é da casa do senhor Alberto Sequeira, não é? A empregada demorou-se nos seus pensamentos, como que vasculhando o seu arquivo desordenado de memórias, sim, quase de certeza que é, creio tê-lo visto uma vez naquela janela, agora que fala disso. Ambos acabaram delongadamente e em silêncio as suas bebidas antes de deixarem o salão. Não devia ter pedido chá de maçã, disse à saída o senhor mais alto, sem se dirigir a alguém em especial.
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009
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