terça-feira, 18 de novembro de 2008

Primeiros segundos

Devido à sobrelotação do autocarro ele não tivera oportunidade de se sentar e vinha em pé, ao lado de uma rapariga de quem soube mais tarde na viagem, o nome. Não fora devido a um acto dependente dele que a sua vontade em saber o nome da rapariga dos cabelos ao caracóis foi satisfeita; antes, devera-se a uma casualidade, como quando se sai de casa e, sem que nada o indicie, começa a chover. A palavra, na forma de ondas sonoras, chegou-lhe cristalina ao ouvido interno, onde foi transformada em impulsos que, uma vez no cérebro, o fizeram diferenciar o nome Chiara. Chiara, era este o seu primeiro mostro social. O símbolo que a fazia rodar o pescoço daquele jeito quase provocador quando se lhe era requerida a atenção, e a que era associada aquela imagem-retrato a quem o crossing-over durante as meioses tinha permitido, hereditariamente, aqueles olhos azuis cor de sonho acompanhados de um sorriso em sol sustenido. Involuntariamente, não involuntariamente, instintivamente, como se algo lhe tivesse dito para o fazer, a menina do sorriso em allegro maestoso, rodou o colo até parar, no cruzamento onde os seus olhos ficaram em posição oposta aos dele. Os olhos dele há muito que se encontravam direccionados nesta posição. Involuntariamente, surgiu um acelerado aumento de fluxo de sangue para as várias faces da cara, alastrando-se também às dele. O ar contido nos pulmões é expulso na forma de “olá” e o tímido massajar das cordas vocais faz a voz tremer, ao que os olhos respondem desviando-se, para em seguida se redireccionarem aos dela. A sua voz sabe-lhe a iguarias da índia que não sabia ainda existirem e a fragrância que emana dos seus caracóis indolentes exala ao vicejar das orquídeas em plena primavera, o odor que se destacaria no mais vasto dos jardins. As duas bocas despontam em forma de sorriso fingido de não-secreto e provocam acidentalmente o suave contacto entre as duas mãos, que já se conhecem. Às mãos, para se conhecerem basta o revezo do contacto, e o toque dura durante os três breves segundos que demoram a cair os vinte e sete primeiros grãos de areia da clepsidra. As suas mãos voltam a tocar-se e, desta feita, o contacto delonga-se durante três demorados segundos, provando que é possível retardar o toque para além do tempo em que deixa de ser toque para voltar a ser tão-somente duas mãos a se quase não tocarem, ou duas mãos a se quase tocarem, que é aqui o caso. Agora, contra suas vontades, o distanciar das mãos leva por arrasto ao afastar dos dois, aumentando a distância entre eles ao mesmo tempo que o que até então os separava se diminui, como um balão vermelho a quem soltam o ar por entre os dedos.

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